Nasci católica, numa cultura católica, onde o universo todo também era católico. Fui apresentada, muito cedo, pelo meu avô materno – obviamente católico – a um Deus que não pune, que não frita gente num inferno escaldante, que não se vinga ou sente raiva. Esse Deus do vô João nos protege ao mesmo tempo que nos permite escolher a vida que quisermos ter, com todas as consequências. Ele não é responsável pelo mal mas não nos nega a experiência do mal. Ele não nos nega experiência alguma. E é essa a liberdade linda e divina Dele.

Aos 21 anos, já bem crescida e sabendo bem escolher os frutos do Bem e do Mal, me dei conta de que sou óbvia e intrinsecamente gay. Sempre fui; não virei gay. Antes eu tivesse passado por baixo do arco-íris; teria explicado muita coisa no começo. Mas eu entrei no arco-íris e, como não poderia deixar de ser, com o gênio que tenho, aceitei viver inteiramente o que sou com as consequências que isso pudesse ter. Passei a ser católica e gay, na mesma intensidade, de forma tão primitivamente enraizada na minha personalidade que nunca escolhi ser ou deixar de ser nenhuma delas. Apenas sou.

Graças ao meu vô João, meu Deus de amor foi maior que o inferno que o homem teima em pintar em nome de Deus. Minha criação foi forte o bastante para fazer viver em mim uma semente de fé no que ainda estaria por vir. Me cansei do folclore dos grupos de oração por uns tempos e passei a me aquietar no último banco da igreja, onde ninguém poderia me ver. Isso durou um bom tempo (bom em quantidade. Péssimo em qualidade). Aí sim, virei alguma coisa: um bonsai católico que rezava conforme um folheto de missa, acreditava na mágica da religião mas não vivia a religião profunda e verdadeiramente. Que achava que padres eram homens feitos de outra matéria, muito mais divina, e que sofrer e me resignar me trariam crescimento. Fiz tudo conforme a cartilha, menos me entregar de coração e me religar a Deus.

Um dia, fazendo as unhas e assistindo ao Jornal Nacional, ouvi que o Papa havia comparado o comportamento gay ao desmatamento da Amazônia. Que gays eram uma ameaça tão grave à sociedade como o desmatamento é para o meio ambiente. Que eu, gay por princípio, não por escolha, católica conforme a cartilha, cordeirinho de entrar e sair da igreja sem falar nada, era destrutiva à sociedade. Esta fala do Papa destruiu o meu Natal e eu enviei um e-mail à Arquidiocese do Rio de Janeiro, exigindo uma explicação sobre isso. Dizendo que sou gay e que não tenho problema algum em ser gay, mas que, se a Igreja me criaria problemas em ser católica, que eu deixasse, então, de ser aquilo que já era antes de nascer e que abandonaria por uma restrição da própria Igreja.

Mais uma vez, o Deus que é puro amor mostrou que estava presente na minha vida e que me acompanha sempre, e recebi uma resposta mais do que amorosa. E é neste amor que vivo até hoje.

Ser gay e católica não é um desafio, é um prazer. É ocupar um lugar que é meu por direito e que não há quem possa me tirar dele. Não discuto dogmas, acredito neles. Professo a fé de meus pais como qualquer judaico-cristão faria. Mas não me venham discutir, de humano para humano, o que o meu Deus de amor, que acolhe e recebe a todos, aceita ou repele.

Meu vô João há muito tempo me ensinou que o Deus de amor não condena nenhum de seus filhos.

Depoimento de escrito para nosso blog, em 2011, por Juliana Luvizaro, 31 anos, à época padeira e confeiteira, hoje chef de cozinha.