Conviver com a realidade LGBT exige paciência e abertura de familiares e amigos. (Reprodução)

Neste Dia das Mães, reproduzimos aqui o texto de Luis Correa Lima, SJ, publicado originalmente no Dom Total:

A situação de pais e mães de LGBT é muito peculiar e delicada. A grande maioria deles sonhou com filhos cisgêneros (identificados com o sexo que lhes é atribuído ao nascer) e heterossexuais, que se casariam com pessoas do sexo oposto e assim lhes dariam netos. Quando esta expectativa não se concretiza, muitas vezes ficam consternados. É algo semelhante ao luto. O filho ou a filha que eles sonharam não existe mais. Conviver com esta dura realidade exige paciência e abertura. É preciso exortá-los que os filhos, quaisquer que sejam, são sempre um presente de Deus criador aos pais e à humanidade, assim como a vida de qualquer ser humano. E os pais são para eles um instrumento da Providência divina para que tenham vida, afeto, educação e valores.

Ter filhos LGBT os remete à complexa realidade da diversidade sexual e de gênero. Ao longo da história e em diferentes culturas, esta questão foi tratada de vários modos. A sociedade e as famílias estão em busca da maneira mais razoável de se lidar com isto; a Igreja Católica, que é parte da sociedade, também. Nenhum ser humano é um mero LGBT, mas é antes de tudo criatura de Deus e destinatário de Sua graça, que o torna filho Seu e herdeiro da vida eterna.

Há mudanças importantes acontecendo na Igreja. Há vinte e um anos, os bispos católicos norte-americanos escreveram uma bela carta pastoral aos pais dos homossexuais, com um título profético: Sempre Nossos Filhos (Always our children). Eles asseveram que Deus não ama menos uma pessoa por ela ser gay ou lésbica. A Aids não é castigo divino. Deus é muito mais poderoso, mais compassivo e, se for preciso, mais capaz de perdoar do que qualquer pessoa neste mundo. Os bispos exortam os pais a amarem a si mesmos e a não se culparem pela orientação sexual dos filhos, nem por suas escolhas. Os pais não são obrigados a encaminhar seus filhos a terapias de reversão. Os pais são encorajados, sim, a lhes demonstrar amor incondicional. E, dependendo da situação dos filhos, o apoio da família é ainda mais necessário. Tudo isto vale também para pais de bissexuais, travestis e transexuais.

Filmes e vídeos também podem ajudar pais e mães de LGBT. Um deles é bem emblemático e muito recomendável: Orações Para Bobby, lançado na TV norte-americana em 2009. O filme (que pode ser assistido gratuitamente, completo e legendado, aqui) narra a história real de Mary Griffith (interpretada pela atriz Sigourney Weaver), uma mãe presbiteriana arrependida de tentar curar o filho homossexual que se matou depois de não aguentar tamanho assédio moral. A história se passa nos anos 1980 em Walnut Creek, Califórnia, próxima a São Francisco. Em 27 de agosto de 1983, Bobby Griffith tirou sua vida ao pular de um viaduto sobre uma autoestrada, aos 20 anos de idade, em Portland, Oregon, para onde se mudara.

Por quase quatro anos, ele sofreu uma dura pressão de sua família para deixar sua homossexualidade. Sua mãe, religiosa fervorosa, não admitia a homossexualidade do filho, que considerava doença e abominação, e contra a qual usava a Bíblia para respaldar suas convicções. Bobby tinha um diário, registrando questionamentos a Deus e frases de auto-rejeição baseados nos ensinamentos que recebeu. Estes revelam claramente como sua religiosidade, em uma igreja que o condenava ao inferno, e a falta de apoio da família foram cruciais em sua decisão de acabar com a própria vida.

A mãe só percebeu que o filho não escolheu ser gay quando ele morreu.

Em entrevista posterior, a mãe de Bobby afirmou que o irmão só lhe contou que Bobby era gay depois que ele tentou se matar, e que este irmão já sabia do fato há mais de 2 anos. Ela só percebeu que o filho não escolheu ser gay quando ele morreu, e depois de pesquisar sobre homossexualidade, algo que lamenta não ter feito antes. Mary tornou-se militante em uma associação de familiares e amigos de gays e lésbicas. Aos pais, ela dá um recado: “Eu falei com muitos pais nesses anos. E eu acho que eu só poderia lhes dizer que ouçam seus filhos e não tentem fazer prevalecer suas opiniões sobre as deles” .

Os pais de Bobby ainda vivem em Walnut Creek. Oito meses após a morte do filho, Mary deu um depoimento na reunião do conselho municipal, onde se votava a instituição de um dia para celebrar a liberdade gay. Este depoimento foi transformado em um dos momentos mais comoventes do filme:

“Homossexualidade é um pecado. Homossexuais estão condenados a passar a eternidade no inferno. Se quisessem mudar, poderiam ser curados de seus hábitos malignos. Se se desviassem da tentação, poderiam ser normais de novo, se eles ao menos tentassem e tentassem de novo em caso de falha”. Isso foi o que eu disse ao meu filho Bobby, quando descobri que ele era gay.

Quando ele me disse que era homossexual, meu mundo caiu. Eu fiz tudo que pude para curá-lo de sua doença. Há oito meses, meu filho pulou de uma ponte e se matou. Eu me arrependo amargamente de minha falta de conhecimento sobre gays e lésbicas. Percebo que tudo o que me ensinaram e me disseram era odioso e desumano. Se eu tivesse pesquisado além do que me disseram, se eu tivesse simplesmente ouvido meu filho quando ele abriu o coração para mim, eu não estaria aqui hoje, com vocês, plenamente arrependida.

Eu acredito que Deus foi presenteado com o espírito gentil e amável do Bobby. Perante Deus, gentileza e amor é tudo. Eu não sabia que, cada vez que eu repetia a condenação eterna aos gays, cada vez que eu me referia a Bobby como doente, pervertido e perigoso às nossas crianças, sua autoestima e seu valor próprio estavam sendo destruídos. E finalmente seu espírito se arruinou além de qualquer conserto. Não era desejo de Deus que Bobby se debruçasse sobre o corrimão de um viaduto, e pulasse bem em frente a um caminhão de dezoito rodas que o matou instantaneamente. A morte de Bobby foi resultado direto da ignorância e do medo de seus pais quanto à palavra “gay”.

Ele queria ser escritor. Suas esperanças e seus sonhos não deveriam ser arrancados dele, mas foram. Há crianças como Bobby presentes em suas reuniões. Sem que vocês saibam, elas estarão ouvindo quando vocês dizem “amém”. E isso logo silenciará as preces delas. Preces para Deus por entendimento, aceitação e pelo amor de vocês. Mas o seu ódio, medo e ignorância sobre a palavra “gay” silenciarão essas preces. Então, antes de dizer “amém” em sua casa e lugar de adoração, pensem. Pensem e lembrem-se: uma criança está ouvindo.

Certa vez, o papa deu um conselho precioso: “é melhor ficar longe dos sacerdotes rígidos, eles mordem” . E não são só sacerdotes rígidos que causam dano a tantas pessoas, mas também movimentos religiosos e fiéis rigoristas. É preciso que os LGBT sejam protegidos de discursos tóxicos e práticas nocivas, como exorcismos ou orações de “cura e libertação”. Famílias, colégios, paróquias, movimentos, pastorais e obras sociais devem ser ambientes acolhedores e não hostis.

A Palavra de Deus, tirada de contexto e lida em perspectiva rigorista, torna-se palavra de morte, um instrumento diabólico. Daí vêm as “balas bíblicas” disparadas impiedosamente contra homossexuais e transgêneros. O mesmo acontece com o ensinamento da Igreja. A Campanha da Fraternidade de 2018, visando superar a violência, é uma chance extraordinária de se fazer o bem, revendo-se também conceitos e práticas a respeito de homossexuais e transgêneros. Ao considerar todas as pessoas que nós conhecemos, sobretudo as mais vulneráveis, não deve haver dúvida: as nossas palavras podem salvar vidas. Ou podem arruiná-las. Oxalá elas salvem. Amém.

(Luis Corrêa é sacerdote jesuíta e professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio. Trabalha com pesquisa sobre diversidade sexual e de gênero, e no acompanhamento espiritual de pessoas LGBT.)