“A fé ampara e nos reconecta com o melhor e o lado mais humano da nossa existência” (Foto: Gabriel Lordello)

Por Fabiano Contarato*

Lembro com dor e, paradoxalmente, com muito alívio daqueles dias em que ia à igreja, ajoelhava e chorava, enquanto estava rezando para que Deus me mudasse. É uma dor fantasma, como a de quem perde a perna. Continua ali, latente. Já o alívio vem da aceitação. Essa não veio cedo na minha vida, mas me fortaleceu ao longo dos anos. Foi somente aos 27 anos que me permiti amar alguém como eu. Foi em silêncio, em resignação, porque sabia que teria de enfrentar um mundo de não aceitação. Tinha medo, especialmente, pela minha fé.
Hoje, aos 53 anos, casado com Rodrigo, pai de um menino lindo, Gabriel, que já tem 5 anos de idade, tenho muito amor pela minha família e sou grato a Deus pelas nossas vidas. Estou em paz. Entendi, na minha trajetória, que Deus nos fez e nos ama, incondicionalmente. Ele é pai!

Para enfrentar muitas dificuldades, tive o apoio da minha saudosa mãe, que devota de Maria Santíssima, em silêncio, esteve sempre ao meu lado. Sentia o seu amor e era o que mais me importava, confortava mais do que palavras que não conseguiríamos dizer um ao outro.

Sei, no entanto, que muitos jovens não têm esse acolhimento em ninguém da sua família. Daí, penso na importância da igreja. É porque a fé ampara e nos reconecta com o melhor e o lado mais humano da nossa existência. Fé cura feridas, nos faz perdoar, seguir em
frente.
Enquanto escrevo este artigo, me dou conta de que aprendi, de verdade e mais profundamente, a ser feliz depois do Biel, meu filho, que eu sempre chamo de meu
“Biscoitinho”. A paternidade me trouxe a sensação de que toda forma de preconceito não deveria ser tão forte ao ponto de separar pais e filhos, desfazer famílias. No entanto, sabemos que não é assim. Então, pergunto: Quem acolhe os que são rejeitados e qual seria, portanto, o papel social da igreja? A meu ver, a igreja tem de estar de portas abertas.
No acolhimento do Papa Francisco, tanto em gestos como por palavras, vejo que a igreja já caminha para isto: abraçar todos os fiéis. Sim, há debates e dogmas, porém, não é como antigamente. Também, precisamos entender que não é fácil para uma instituição secular abandonar os seus preceitos. Contudo, caminhamos e, agora, melhor do que nos tempos da minha juventude, tão marcada pela extrema timidez e por ser alvo de bullying.

É preciso esclarecer que a pessoa não escolhe e nem tem a opção de ser homossexual, trans, ou de seguir orientações diversas da heterossexualidade. A pessoa é. A pessoa sente. A pessoa sofre.

Compreender isso é fundamental. Colocar-se na dor do outro, ser solidário, é o que o fiel pode fazer, justamente, porque o fundamento da religião é o amor, a fraternidade, e não o oposto.

Outra questão: orientação sexual não define caráter. Rótulos não explicam pessoas. Já o amor, sim, define. Podemos escolher ser cristãos e fazer parte dos movimentos eclesiais. Eu, por exemplo, faço parte do Terço dos Homens. Sinto uma alegria imensa em estar nessa comunhão com meus irmãos. Sou aceito. Tenho amigos. Não experimento nenhum preconceito, ao contrário, vivo o acolhimento tão bem defendido pelo Santo Padre.

Pondero que, a partir da igreja, da missão de fé, poderemos sustentar, inclusive, ações mais concretas, futuramente, para a pacificação da convivência entre as pessoas na sociedade. Afinal, a igreja combate desigualdades sociais, e a homofobia, a transfobia, e outras formas de discriminações matam, contrariam princípios cristãos.
Cabe dizer que, infelizmente, em nosso país, nenhum direito para a população LGBTQI+foi conquistado pelo Legislativo. Tudo se fez por meio de decisões judiciais. A resistência para o parlamento reconhecer a cidadania de todos os brasileiros é ancorada em convicções religiosas. Assim, aos LGBTQI+, vale refletir sobre a importância de participar mais da igreja porque é romper barreiras. Se a igreja abre suas portas para nos aceitar, devemos nos abrir a participar. Sejamos irmãos em Cristo.
* Fabiano Contarato, senador pela Rede-ES, é professor e ativista humanitário.