Lembro-me bem dos passeios de carro, com meus pais, pela orla do Rio. Penso que, a partir dos 10 anos, passei a perceber que não olhava as mulheres de biquíni, mas para os homens de sunga.

Toda a minha formação ocorreu num colégio religioso que venerava a figura feminina, embora fosse somente para meninos. Minha experiência religiosa, em todo este período, foi muito forte e determinante na minha vida. Nosso principal orientador era um religioso sério, firme e carismático. O afeto entre os colegas era natural e foram formados laços de amizade fundamentais para meu crescimento. Este conjunto foi importante para me ajudar a viver a vida com alegria, mas serviu, também, como cortina de fumaça para aceitar minha sexualidade.

Reconheço, hoje, que a figura da mulher considerada como ser inatingível, aliado a diversos complexos de adolescência e a homossexualidade rejeitada como um mundo desconhecido; levaram-me, pouco a pouco, a uma postura assexuada. Não havia procura de prazer nem com mulheres ou homens fisicamente, nem sequer pela masturbação. Vivia com minhas amizades e temia qualquer outro tipo de relacionamento afetivo. Minha religiosidade estava presente no grupo e no meu silêncio.

Meus pais cuidavam de mim generosamente, e não abordavam qualquer questão relacionada à minha sexualidade.

Casei virgem, de mulher e homem, aos 24 anos. Admirava minha esposa. Ficamos casados quase sete anos e tivemos um filho. Durante este tempo sentia que faltava alguma coisa. A minha homossexualidade me inquietava e parti para o tira-teima. Tinha 26 anos quando fiz acontecer a primeira experiência com outro homem. Passei a viver uma vida dupla e tensa. Acreditava que dando vazão aquele desejo, tudo passaria e poderia me dedicar à minha família, novamente. Ela não agüentou esta vida, a dois, estressada e pediu a separação e depois o divórcio. Vim a contar-lhe sobre minha homossexualidade, já pacificada dentro de mim, e sobre toda nossa vida de casal com conflitos, alguns anos depois. Ela não desconfiava do que passáramos juntos. Ficou com o coração apaziguado e falou sempre bem de mim para o meu filho. Ao completar quinze anos tive com ele uma conversa de pai e comecei a me mostrar, melhor. Já não era criança e iniciou-se um longo processo de aceitação. Lutei muito por ele desde quando pequeno; sou um pai presente e fiel.

Mas voltando à separação. E agora? Estava livre e apavorado. Não reconhecia a possibilidade de um relacionamento afetivo com outro homem. Continuei a ter namoradas e transando, também, com outros caras. Esta dualidade foi regredindo e minha homossexualidade se afirmando. Até que passei a conviver com amigos gays másculos. “Encontrei a minha praia!” Era possível ser plenamente homem e ser homossexual!

Minha visão da Igreja sempre foi a da Santa Madre Igreja – severa, cheia de regras e pecados, falível e humana; mas antes de tudo Mãe, que acolhe e perdoa. Deus via o meu combate. Não me constrangia minha homossexualidade perante a Igreja, mas me chocava a falta de informação e, principalmente, vivência de alguns padres e leigos.

Fui seguindo meu caminho. Passei a ter parceiros fixos e aos 36 anos tive meu primeiro namorado. Meus afetos foram dando curso à vida até encontrar meu companheiro de percurso, há dez anos.

Nesta trajetória Deus estava presente. Volta e meia me apartava da agitação para me recolher à reflexão e ao silêncio.

Consegui construir um laço paterno sólido com meu filho, que freqüenta nossa casa com sua namorada. Este foi um trilhar de muita construção de ambos.

Comecei a participar do Grupo Diversidade Católica em 2008. Acredito que a Igreja somos nós – pessoas que crêem. Eu sou filho do Pai e isto se sobrepõe à opinião de alguns clérigos. A Instituição Igreja é lenta, erra e é humana. Quero ficar junto desta minha família e ser aceito do jeito que fui concebido – homossexual.

Depoimento escrito por Roberto para o nosso blog, em 2011. À época, ele tinha 56 anos e era engenheiro. Hoje, está aposentado, é tesoureiro do Diversidade Católica e segue frequentando nossas reuniões mensais, no Rio de Janeiro.