“Se o amor entre mim e meu marido é a imagem de Deus, como você imagina que nós possamos nos resignar ao pensamento de que o amor de Emanuele por um rapaz nada possa expressar daquela imagem de Deus?”, escreve Dea Santonico, mãe de um garoto homossexual, em carta aberta ao Papa Francisco, publicada por La Repubblica, 08-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a carta, publicada originalmente no IHU, aqui.
“Caro Papa Francisco, eu escrevo para você depois de ouvir suas palavras no Fórum Italiano das Associações familiares: “A família, a imagem de Deus, é uma só, aquela que une um homem e uma mulher”.

Eu sou a mãe de um garoto homossexual. Meu marido e eu nos casamos há 39 anos e vivemos juntos com nossos dois filhos, Marco e Emanuele, aquela bela aventura, como você a chama, que é a família. Uma aventura em que crescemos juntos, inclusive através das dificuldades. Dois anos atrás, a inesperada comunicação de Emanuele. Poderíamos continuar a viver tranquilamente a nossa vida nos sentindo “bem”, com nossos muitos compromissos: na realidade de base, voluntariado com os imigrantes, estudo da Bíblia… mas, não. O fato de um filho assumir-se, te coloca de volta ao jogo, tudo muda, e é contagioso: nós, pais, também tivemos que nos assumir, quebrando aquela esfera de hipocrisia que gostaria que “daquela parte” de teu filho não se falasse. Foi em 7 de maio de 2016, naquele dia eu dei a luz pela segunda vez a Emanuele. Estou lhe escrevendo porque as palavras que você falou abriram uma ferida em mim. E é preciso dar palavra à dor para que ela não se torne raiva e rancor.

Se o amor entre mim e meu marido é a imagem de Deus, como você imagina que nós possamos nos resignar ao pensamento de que o amor de Emanuele por um rapaz nada possa expressar daquela imagem de Deus?

Não, o nosso amor nunca poderá expressar a imagem de um Deus que seja estranho e distante do amor entre Emanuele e seu companheiro. Se o amor deles não for a imagem de Deus, nem mesmo o nosso será. Porque nós não conhecemos tal Deus. Nós conhecemos um outro, aquele de que falava Jesus. Um Deus partícipe, que escolhe compartilhar o caminho de um povo de escravos, que se torna cúmplice dos pequenos, que se alia com aqueles que estão à margem dos poderes políticos e religiosos de todos os tempos, um Deus que irradia amor, contra toda razoável economia, capaz de livrar-se de sua onipotência para retornar às suas criaturas como um pedinte de amor, para solicitar uma livre resposta de amor.

Quando muito, caso sejamos capazes de expressar um pequeno pedaço daquela imagem, do Deus de Jesus em nossas vidas de indivíduos e de casais, através de nossos amores, todos imperfeitos, “dentro da norma” ou “fora da norma” que sejam, deveríamos fazê-lo na ponta dos pés, sem estardalhaço, sem exibir aquela imagem, porque a imagem de Deus não pertence nem a nós, nem a ninguém. Não se deixa encurralar, escapa às tentativas dos homens de possuí-la e usá-la, dobrando-a aos seus próprios interesses.

Foge dos palácios do poderoso para ser encontrada no último entre os seres humanos, o mais indigno, o mais esquecido, o mais marginalizado e sozinho, para que naquela imagem possa reconhecer-se e, redescobrindo aquele pequeno toque de divino que lhe foi insuflado por dentro, possa ousar expressá-la na sua vida.

Caro Papa Francisco, vivemos na Itália uma fase histórica e política muito difícil, que preocupa os pais de garotos e garotas LGBT. Em muitas ocasiões, você foi capaz de dizer palavras de esperança. Não nos deixe sós com nossos medos”.