Autor: Equipe Diversidade Católica

Depoimento: “Um Deus completamente diferente”

Celebramos a Imaculada Conceição de Maria como o mistério de Deus que irrompe na humanidade no lugar mais insuspeito e da forma mais inusitada: Maria, uma mulher pobre, analfabeta, da periferia da Galiléia, mulher, semelhante a tantas de nosso tempo, envolta em suas tarefas e afazeres diários, longe dos lugares-comuns de teofanias extraordinárias, recebe uma visita de Deus. E de repente, abre-se para a história humana uma nova perspectiva, oposta ao simbolismo de Adão e Eva no Antigo Testamento: de agora em diante, pela resposta positiva e livre daquela pobre mulher, mulher pobre, a humanidade pode vislumbrar novas perspectivas. As portas da glória de Deus, enfim, se abriram para a humanidade. O lugar, a pessoa, as circunstâncias, o momento…nada no relato de Lucas condiz ao paradigma de um Deus triunfante, senhor dos exércitos, que vem restaurar a gloriosa monarquia de Israel. Ao contrário, vislumbra-se um Deus pequeno, fraco, indefeso, cuja proposta subverte o que se espera das teologias de então. Eis a grande novidade do Evangelho: propõe uma constante revisão de nossas teologias, nossos dogmas mais profundos, nossas formas de ver a Deus, de ver a realidade a partir de Deus. Como católicos LGBTT’s, nossa contribuição com a Igreja é justamente no caminho que Lucas propõe no relato da anunciação: enquanto seres humanos plenos em dignidade e direitos, ocupamos nosso lugar dentro da igreja, a comunidade dos discípulos de...

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Depoimentos: “Dicotomias, lutas, fé e amor: gays versus Igreja?”

Certa feita, uma amiga comentava sobre as crises possíveis na cabeça de homossexuais religiosos. Se a sociedade diz que a homossexualidade é anormal, a religião diz que é errado, que é pecado… Todo mundo pode se sentir no direito de fugir da normalidade, se for esse o caso (não é esse o caso). Mas fugir do que é certo tem efeitos piores. A carga do “anormal” pode até ser suportada (quem disse que estou a fim de ser “normal”?), mas a carga do “errado” pesa. E enquanto seguem essas dicotomias extremistas, esse jeito limitado mesmo de enxergar as coisas, seguem cristãos e homossexuais massacrados dentro de sua própria consciência, sem liberdade, sem vida, sem fé, sem amor. Os paradigmas ainda atrasados que as igrejas oferecem são um grande desafio para a luta LGBT, para as saídas do armário, para o fim da homofobia. Mas disso, todo mundo sabe. Preciso falar diferente.Se as igrejas ainda erram ao tratar dos gays, o movimento ainda erra ao tratar da igreja. Vício de tantos grupos que se articulam em torno de várias causas, temos a mania de personificar as lutas em torno de um inimigo só. Muitas vezes, o nosso debate sobre homofobia soa como se desejássemos acabar com as religiões (especialmente com o cristianismo) para ter, enfim, tudo muito resolvido. A matriz religiosa da formação da nossa sociedade meio que já limitou...

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Depoimento: “Dores e amores da homossexualidade”

Enquanto homossexual não saberia dizer se a homossexualidade nos faz mais sensíveis. Penso que na condição de seres humanos vivemos num mundo diverso, pronto a ser descoberto na sua riqueza existencial infinita. Por isso, seria importante que estivéssemos sempre sensíveis a tudo que nós rodeia. Sou daqueles que acreditar que sensibilidade também se aprende. Mas, talvez, aqueles que, por algum motivo, não são desejados pela sociedade tentem a criar um mundo particular e, neste mundo, vivem seus sonhos e pesadelos, tentando, de algum modo, encontrar a forma como aparecer no mundo concreto sem precisar sofrer muito. Enquanto permanecemos no mundo particular ganhamos tempo para nos compreender internamente. Percebo que nesta experiência ganhamos em sensibilidade na medida em que é preciso criar pequenos modos de felicidade. Lembro-me, por exemplo, da minha infância na qual por não poder brincar com bonecas eu pedia aos meus pais lápis de cor e muitas folhas para poder desenhá-las e, assim, me divertir com elas no meu imaginário. Deste modo, eu fui desenvolvendo a sensibilidade para as cores. Também comecei a prestar atenção às bonecas para poder reproduzi-las, em detalhes, no papel. Enquanto as outras crianças já tinham o seu brinquedo pronto, eu era desafiado a aguçar as minhas capacidades perceptivas e criativas. E quanto mais eu desenhava e melhorava o meu traço, apesar de muitos estranhamentos por parte das pessoas por eu só reproduzir...

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Depoimento: “Ninguém pode me tirar de junto do Pai”

Meu nome é Cristiana, tenho 37 (quase 38) anos, sou psicóloga e psicoterapeuta e casada. Desde que me entendo por gente, Deus é uma presença constante em minha vida, em meus pensamentos e em meu coração. Uma presença muito real, com quem sempre conversei e dividi minhas angústias, minhas alegrias e meus desejos, e cujas respostas sempre ouvi muito concretamente através de pequenos acontecimentos e detalhes do cotidiano. Educada em colégio católico, lembro como se fosse ontem da primeira aula de religião, no antigo C.A. (classe de alfabetização): a Irmã Maria Amélia – pequenina, um pouquinho encurvada, um jeitinho simples e mineiro de falar, levemente dentuça, sempre de saia preta e camisa bege abotoada até o pescoço – fazendo o gesto de discar na palma da mão (começo dos anos 1980, tempos dos telefones cinzentos com fio e de disco da antiga Telerj) e ensinando que “o telefone de Deus” era “a oração: o telefone do coração”. Eu tinha 6 anos, e Deus era o meu “Papai do Céu”, com quem eu ia conversar diariamente na capela do colégio antes das aulas e na hora do recreio. Conversava muito também com a “Mamãe do Céu” – uma Nossa Senhora linda e coroada, que, do altar, Menino Jesus ao colo fazendo um gesto de bênção, me olhava com benevolência e compaixão. Aos seus pés estendia-se um misterioso letreiro em latim, o lema...

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Depoimento: “O amor é a maior força que existe, capaz de vencer qualquer dificuldade, mesmo quando a maior delas é seu próprio medo”

Sempre acreditei na força dos testemunhos. Era a atividade que mais me comovia nos retiros que eu participava, fossem os retumbantes encontros de jovens, com suas músicas de louvores e exagerada disponibilidade, fossem os introspectos retiros de preparação para a crisma (desses últimos, aliás, eu fui socio contribuinte, não perdia um). Eram esses os momentos nos quais eu mais refletia sobre o meu pecado #1: o de gostar de coisas impuras. Quem já foi numa igreja barroca sabe que normalmente o altar é escalonado e cada andar tem a imagem de um santo (que normalmente usa uma peruca com cabelo humano – isto é bizarro!). É como uma classificação bem dividida que começa por nós, fiéis, no chão. Depois o padre, no presbitério. Daí vem um anjo, um santo, uma Maria, Jesus e Deus. Isso tem um quê de hierarquia, uma distribuição de poderes bem denifida, assim como no “estava a velha em seu lugar”, só que com personagens religiosas. Para mim a Igreja sempre foi exatamente assim: um grande coro de hierarquias encabeçado pelo Papa João de Deus, tão amado pela minha família, cujo retrato afetuoso encimava nossa mesa de jantar. Aliás, acima do papa estava Jesus, não andando ou vestindo suas roupas de época, mas pregado na cruz e olhando de ladinho aqui pra baixo, como quem quisesse dizer alguma coisa. E na minha cabeça, nessa escada...

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